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  • Foto do escritorJorge Humberto Dias

Onde está a Felicidade?




Escrevendo a capella, ou seja, sem o confortável suporte de uma vasta literatura científica, atrevo-me a perguntar “Onde está a felicidade?”. Eventualmente irei conseguir apenas uma não-resposta, fundamentada em ideias soltas recolhidas aqui e ali (sendo este aqui e ali lugares com o necessário suporte, sem o qual não me oriento). Bem, adiante!

Atualmente, a literatura sobre a felicidade (tal como a literatura sobre tudo) é imensa! Vasta! Mas limitada (…), sendo esta limitação evidente em cada pedaço de conhecimento encontrado. Limitada à área de conhecimento, ao método escolhido, aos interesses pessoais – ou profissionais –, às expectativas, à personalidade, às áreas financiáveis, às pressões da sociedade – entre outras –, à “moda” (sendo esta um conceito muito interessante a explorar), à busca individual ou coletiva, ou mesmo à procura do alívio daquele sofrimento mais ou menos permanente que nos aflige, sendo que, por acaso, até somos investigadores e podemos pensar oficialmente um pouco mais sobre o assunto; estas entre tantas, tantas outras variáveis.


Com um background em psicologia, nas vertentes experimental e aplicada, ao qual acresce alguma experiência empírica acumulada por, simplesmente, viver, mas também sabendo um pouco sobre como pessoas pensam sobre pessoas (incluindo sobre si próprias) e sobre o contexto social em que se inserem, bem como sobre os objetos sociais (e outros) com que interagem, sinto-me minimamente apta a, pelo menos, pensar sobre o assunto. Mas, então, onde estará a felicidade?


De memória, a linha de pensamento presente atualmente nas prateleiras de supermercado diz que “ela” (a tal felicidade) está dentro de nós. Uma perspetiva parcialmente limitadora, a meu ver, porque afinal estamos integrados num contexto. E nem sempre controlamos todas as variáveis. Corrijo. Nunca controlamos todas as variáveis (e dirá alguém “e está tudo bem” – e está!). Entendo ainda que esta perspetiva é potencialmente perversa, num mundo onde é mais fácil apontar os erros de alguém do que descobrir e trabalhar os nossos, resultando com frequência na famigerada “culpa”, seja ela apontada ou autoinfligida. E isto conduz à felicidade? Pois.


Então e se não estiver dentro de nós? Procuramos? Onde? Em pessoas, lugares, livros, vídeos? Algures ao virar da esquina? Quem a descobriu? Como descobriu? Posso fazer o mesmo? Quanto custa? Será que estou a fazer algo errado? Como é que aquela pessoa consegue ser feliz? E porque é que eu não sou? Terei algum defeito? Será que consigo? O erro certamente é meu. Ou será dos outros? Mas afinal qual é o meu problema?!!! E facilmente caímos numa situação de desamparo aprendido na qual a culpa é sempre de alguém, incluindo de nós próprios, e o resultado nunca satisfaz, numa confusão entre o externo e o interno, no caos de não ter capacidade para sequer entender o que procuramos.

Vários autores têm verificado que os otimistas tendem a ser mais felizes do que os pessimistas (e.g., Achor, 2010). Inibindo-me de ir procurar a definição consensual e validada, bem como as teorias e pressupostos que fundamentam esta descoberta, os otimistas veem o mundo de forma diferente. Detestando clichés, recorro a eles com a frequência necessária - estamos a falar do copo meio cheio vs. meio vazio. Mais, a forma como abordamos qualquer problema condiciona as conclusões. Tal como acontece nas profecias auto-confirmatórias (Merton, 1968), o meu comportamento vai refletir a minha crença e as minhas expetativas e, obviamente, influenciar o resultado. E vai também condicionar os meus sentimentos e emoções, relacionados com o mesmo resultado, e com o processo de lá chegar.

Gosto cada vez mais das abordagens que veem a felicidade como o processo propriamente dito, o que implica projeto (Dias, 2006), propósito, e o caminho para (lá chegar? não…) caminhar. Porque se atinjo um fim, o que faço a partir daí? E o que aconteceu entretanto? Não importa?


O futuro é mutável e imprevisível. É a maravilha do método científico e da própria humanidade. Daniel Kahneman, em conjunto com o economista Vernon L. Smith, foi o psicólogo que ganhou o Nobel da (quem diria) Economia, em 2002 ao revelar como uma das ferramentas que nos são mais úteis para sobreviver e navegar um mundo complexo – as heurísticas, os nossos atalhos automáticos para processamento de informação e tomada de decisão – é também aquele que pode originar os maiores erros de julgamento em situações de incerteza (ressalvo que este trabalho foi conjunto com o Amos Tversky, mas o Nobel não é entregue postumamente). Ainda este ano (2023), Kahneman veio retificar as suas próprias conclusões sobre dinheiro e felicidade, ao colaborar com Matthew Killingsworth, autor que anteriormente tinha obtido resultados opostos aos de Kahneman. Os autores concluíram, agora, que a felicidade efetivamente aumenta com o aumento do rendimento anual, sem existir o efeito de “teto”, algures entre os 60 e os 90 mil dólares, identificado na investigação anterior. E que existe, aí sim, um efeito de “teto” na relação entre o aumento do rendimento e o aumento da felicidade (ou redução da infelicidade), sendo que este efeito se verifica apenas nas pessoas mais infelizes (Killingsworth, Kahneman, & Mellers, 2023). Precisamos de cada vez mais autores assim, que colaborem e confrontem os seus próprios resultados, de forma a evoluir, ao invés de se perderem numa infindável luta sobre quem é o maior dono da razão.


Por outro lado, de acordo com o Paradoxo de Easterlin (Easterlin & O’Connor, 2022), a felicidade varia diretamente com o rendimento, num determinado momento, mas a longo prazo as taxas de crescimento da felicidade e do rendimento não estão significativamente relacionadas. Estes autores indicam que a comparação social é a principal razão para esta contradição, uma vez que, num determinado momento, as pessoas com maior rendimento são mais felizes ao comparar o seu rendimento com outros inferiores (e vice-versa). Mas, à medida que os rendimentos de toda a população aumentam ao longo do tempo, o efeito positivo do aumento individual na felicidade é anulado, uma vez que o do seu grupo de comparação também aumenta.


Mas o que é a felicidade? No estudo de Killingsworth, um auto-relato diário, longitudinal, no qual as pessoas indicam três vezes ao dia, no telemóvel, “Como se sente agora”, respondendo numa escala de “Muito mal” a “Muito bem”; no caso da experiência anterior de Kahneman, tratava-se da resposta a vários itens do “Gallup Healthways Well-Being Index” sobre o que a pessoa tinha experienciado no dia anterior: “Experienciou os seguintes sentimentos durante grande parte do dia de ontem? Em relação a [sentimento]?”. Finalmente, Easterlin utiliza a questão “Considerando tudo, quão satisfeito está com a sua vida no geral atualmente?”, do World Values Survey, com opções de resposta de 1 (Insatisfeito) a 10 (Satisfeito) e uma pergunta “Melhor-Pior”, do Gallup World Poll, na qual as pessoas avaliam as suas vidas numa escada com degraus numerados de 0 (pior vida possível) a 10 (melhor vida possível.


As metodologias utilizadas e os conceitos associados conduzem a conclusões diferentes. Por isso a abordagem importa. Muito. Porque “O que é a felicidade?” é uma das perguntas importantes. E quanto ao “Onde está?”… Provavelmente dentro de nós, apesar de toda a investigação sobre dinheiro e outros fatores extrínsecos – até porque não estamos aqui a falar de infelicidade. E importa viver, e pensar, esta procura.

 

Oeiras, 21 de dezembro de 2023


Vânia Bruno

 

 

Referências Bibliográficas:


Achor, S. (2010). The Happiness Advantage: The Seven Principles of Positive Psychology That Fuel Success and Performance at Work. Crown.


Dias, J. (2006). Pensar Bem – Viver Melhor: Filosofia Aplicada à Vida. Ésquilo.


Easterlin, R. A., & O’Connor, K. J. (2022). The Easterlin Paradox. Em Handbook of Labor, Human Resources and Population Economics (pp. 1–25). Springer International Publishing.

Killingsworth, M. A., Kahneman, D., & Mellers, B. (2023). Income and emotional well-being: A conflict resolved. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America120(10). https://doi.org/10.1073/pnas.2208661120 


Merton, R. K. (1968). Social Theory and Social Structure. The Free Press.

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