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Estilos afetivos e bem-estar, qual a relação?

Foto do escritor: Jorge Humberto Dias Jorge Humberto Dias

Atualizado: 7 de abr. de 2021


Os seres vivos, ao longo do processo evolutivo, foram desenvolvendo respostas adaptativas perante situações e desafios adversos. Estes processos permitiram uma melhor adaptação ao meio ambiente, contribuindo para o aumento da sobrevivência e continuidade das espécies. As emoções fazem parte da evolução da espécie humana e desempenham um papel importante no funcionamento psicológico. Uma das características mais salientes das emoções é a grande heterogeneidade individual nas respostas a um mesmo estímulo (Davidson, 2000). O desenvolvimento da compreensão da emoção, humor e estilos afetivos decorreu do estudo dos processos neurais.

As diferenças individuais nos padrões de ativação pré-frontal e da amígdala estão relacionadas com os constituintes comportamentais e biológicos do estilo afetivo e da regulação emocional e, são consideradas como predisposições, que alteram a vulnerabilidade ou a resiliência de uma pessoa em relação ao desenvolvimento de psicopatologia (Davidson, 2000).

John e Gross (2004) consideram as estratégias de regulação emocional num continuum temporal e distinguem estratégias focadas nos antecedentes (estratégias que o indivíduo poderá usar para regular as emoções antes de elas surgirem) e estratégias focadas nas respostas (estratégias que o indivíduo pode utilizar após a emoção já ter surgido). Em cada um destes grupos, destacaram uma estratégia específica, a reavaliação cognitiva e a supressão, respetivamente. A reavaliação cognitiva consiste numa alteração da interpretação dos estímulos ou situações que poderiam suscitar emoções fortes e/ou negativas, diminuindo assim a experiência e a expressão comportamental de emoções negativas, sem o aumento da ativação fisiológica. A reavaliação cognitiva afeta a intensidade e a duração de uma resposta, modificando as cognições e, em consequência, a experiência (Papa & Epstein, 2018). A supressão emocional traduz-se na inibição de comportamentos relacionados com a expressão externa das emoções de forma eficaz, mas não na diminuição da experiência emocional, levando a um aumento da ativação fisiológica no sistema cardiovascular e eletrodérmico. Em suma, a reavaliação cognitiva corresponde a uma alteração cognitiva, antes da resposta emocional, e a supressão corresponde à modulação de resposta após o surgimento da mesma em termos experienciais, comportamentais ou fisiológicos (John & Gross, 2004).

No que toca ao uso de estratégias de regulação emocional, verifica-se uma diferença entre indivíduos designada por flexibilidade emocional. A flexibilidade emocional é definida como a capacidade de utilizar estratégias específicas de regulação emocional, dependendo das necessidades situacionais. Esta capacidade de regular as emoções, ajustando-as às variadas situações, parece ser um método eficaz perante situações adversas. Ainda que suprimir as emoções não seja, geralmente, adaptativo, nalgumas situações a supressão pode ser útil ou até desejável (e.g., suprimir a raiva). A flexibilidade emocional e a flexibilidade na utilização de estratégias de coping, mais que a utilização de uma estratégia específica, parecem as melhores preditoras de uma adaptação bem-sucedida perante situações desafiantes (Hofmann et al., 2012).

Os tipos de regulação emocional variam consideravelmente de pessoa para pessoa, nomeadamente na intensidade, afetos positivos/negativos, assim como na preferência por determinadas estratégias para controlar e gerir os afetos. Algumas pessoas tendem a ter respostas desadaptativas perante emoções percebidas como indesejáveis, tendendo a evitá-las e/ou ocultá-las. A estas diferenças interindividuais na sensibilidade e regulação das emoções correspondem os estilos afetivos. Um dos componentes principais dos estilos afetivos é a capacidade de regular a emoção negativa e diminuir a duração do afeto negativo, após o seu surgimento (Hofmann et al., 2012).

Hofmann e Kashdan (2010) identificaram três estilos afetivos: ocultar, ajustar e tolerar. O estilo afetivo ocultar engloba a dissimulação e a supressão emocional, com o objetivo de ocultar e evitar as respostas emocionais quando ocorrem. O estilo afetivo ajustar carateriza-se pela capacidade de ajustar/modular as experiências emocionais, tendo em conta o contexto. Envolve maior adaptação emocional e utilização de alguns recursos, como a reavaliação cognitiva. Tolerar refere-se à capacidade de aceitação das emoções tal como elas se manifestam, sem desconforto ou necessidade de as suprimir. Engloba uma forte tolerância à angústia (Hofmann & Kashdan, 2010). O estilo afetivo ocultar está positivamente associado à supressão emocional, enquanto o estilo afetivo ajustar se correlaciona positivamente com a reavaliação cognitiva. O estilo afetivo tolerar associa-se positivamente à reavaliação cognitiva e negativamente à supressão emocional (Hofmann e Kashdan, 2010; Ito & Hofmann, 2014; Totzeck et al., 2018; Wang et al., 2016).

As pessoas que recorrem mais à reavaliação e ao estilo ajustar para regular as suas emoções tendem a manifestar melhor funcionamento social e maior bem-estar. Por outro lado, as pessoas que usam mais a supressão/ocultação experimentam menos bem-estar, pior funcionamento social e tendem a adotar estratégias desadaptativas perante situações indutoras de stresse (Gross & John, 2003). Estes indivíduos são mais propensos a um aumento na ativação fisiológica (Gross, 1998; Gross & Levenson, 1997) e tendem a ruminar sobre as situações negativas (Morrow, 1993; Rusting & Nolen-Hoeksema, 1998). A aceitação das emoções tem sido associada a um aumento da persistência perante situações desafiadoras e à redução dos níveis emocionais e sofrimento subjetivo (Hayes, 2004).

Os estilos afetivos ajustar e tolerar tendem a correlacionar-se negativamente com depressão, ansiedade e stresse (Jiang et al., 2018; Totzeck et al., 2018; Wang et al., 2016; Žuljević et al., 2013). O estilo afetivo tolerar pode constituir um fator protetor de ansiedade, perante situações stressantes.

O estudo de Totzeck et al. (2020) revelou aumentos significativos nas subescalas Ajustar e Tolerar após terapia. Sendo estes fatores modificáveis através da terapia cognitivo-comportamental (Ito & Hofmann, 2014; Totzeck et al., 2020), conhecê-los previamente pode contribuir para a orientação e otimização do tratamento, permitindo a potencialização de estilos afetivos com características adaptativas, em detrimento das características disfuncionais.


Mónica Leal (Mestre em Psicologia e Investigadora colaboradora do Projeto "Perspetivas sobre a Felicidade. Contributos para Portugal no WHR (ONU)")


(Texto adaptado da dissertação de mestrado defendida na Universidade Lusófona no passado mês de novembro de 2020: "Propriedades Psicométricas da Versão Portuguesa do Questionário de Estilos Afetivos". Para solicitar a versão integral contactar a autora: mokitaleal@gmail.com)


Bibliografia:


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